sexta-feira, 10 de maio de 2024
Uma concepção proprietária da cultura
O dia 10 de maio é reconhecido em alguns meios como o
Dia do Público. A data é baseada nos eventos desse dia em 1849, conhecidos como
a revolta ou os motins do Astor Place. Essa história pode ser melhor conhecida
em https://felipemacedocineclubes.blogspot.com/2011/05/o-texto-que-segue-e-base-de-uma.html.
O conceito de público não é lá muito bem compreendido.
Na realidade atual, no nosso momento histórico e no estágio de desenvolvimento
do nosso modo de produção, o público – dos espetáculos, dos esportes, da
informação, mas também da exploração de sua intimidade, de suas informações
pessoais e do controle do seu comportamento, tudo isso pelo dispositivo das
mídias digitais – é basicamente o conjunto da população. Confunde-se com o que
Marx chamava de proletariado, entendido também este como a classe fundamental
que tinha a tendência de incorporar todos os outros segmentos da sociedade[1] sob a exploração da outra
classe fundamental, a burguesia. É sinônimo do que Martín-Barbero[2] identifica como povo; ou os
oprimidos, segundo Paulo Freire[3]. Neste dia, entre outras abordagens, é oportuno
compreender e divulgar que o público - o povo, a classe trabalhadora ou outros
sinônimos – está, em essência, ausente da concepção e das ações que baseiam as
políticas públicas do governo brasileiro para a cultura, desde a criação do
Sistema Nacional de Cultura, em 2005, até a promulgação do seu “marco
regulatório”, em 4 de abril deste ano.
O texto que segue se organiza, de forma sintética, em
diferentes tópicos que buscam se articular, se complementar, no sentido de embasar
rápida e simplificadamente as ideias de que não há espaço para o público na
pretendida organização da cultura no Brasil, o que compromete seu caráter
supostamente democrático
Propriedade privada e superestrutura
Relembrando o mais básico: a organização da forma de
reprodução da vida cotidiana, em cada época histórica, é sempre determinante
para a formação das estruturas mentais, simbólicas, ideológicas da sociedade.
São os conhecidos conceitos marxianos de base e superestrutura. Essa ligação
não é estritamente mecânica, nem simultânea, mas é sempre dedutível a partir de
uma observação rigorosa.
Historicamente, um dos principais elementos dessa determinação foi a criação da propriedade privada dos meios de produção. Sobre essa apropriação se estruturaram as primeiras divisões de classes sociais. A propriedade privada aliena o ser humano do fruto do seu trabalho e dela derivam diversas formas de submissão e exploração de uma ou mais partes da sociedade por determinadas minorias de sua época. E, a partir dessas relações de domínio e subalternização, igualmente se constituem diferentes formas de consciência – ideológicas - da referida situação.
Patrimonialismo na formação brasileira
Como já foi dito, essas formas de consciência
produzidas pelas relações de produção, não são nem construções mecânicas nem
simultâneas. Muitas derivam de passados até distantes e parecem se eternizar,
adaptando-se de alguma forma a novos cenários sociais. Um dos grandes
benefícios do conhecimento histórico é precisamente a possibilidade de
compreendermos a evolução dos elementos que vêm a constituir a forma da falsa
consciência dominante, a ideologia hegemônica de nossa época. Nesse sentido, o
clássico de Raymundo Faoro, Os Donos do Poder[4], percorre um longo trajeto
desde a herança visigótica na formação de Portugal até a atualidade mais ou
menos recente do Brasil. Não é o único autor a desenvolver o sentido da herança
patrimonialista na nossa cultura nacional, mas é dos mais instigantes. Resumindo
muito o texto de Faoro, ele mostra como o caráter militar autoritário e as
relações de compadrio na administração, a partir do chefe absoluto,
transmitiram-se na criação de estamentos de apaniguados, o que nos leva
a pensar também nas relações do homem cordial de Raízes do Brasil[5].
No entanto, no tratamento weberiano de Faoro, o
patrimonialismo é uma ferramenta arquetípica, que se aplica bem para as
relações mais estritamente políticas e administrativas, e não como uma
descrição do processo social total, concreto. Assim, mais uma vez bem
simplificadamente, no Brasil, especialmente os mais completamente excluídos -
indígenas e escravizados, e depois a classe trabalhadora moderna - não fazem
completamente parte do acordo que legitima as dependências mais típicas do
patrimonialismo. Sem esquecer a orientação dominante do capital estrangeiro[6], que sobredetermina essas
relações. O conceito patrimonialista, contudo, tem uma importância até hoje
inevitável ao considerarmos os ambientes políticos institucionais e de parte
importante da administração pública, além de outros aspectos.
A “classe”
artística
Um estamento que se liga estruturalmente ao conceito
weberiano é o dos artistas de todos os tipos, geralmente vulneráveis e dependentes,
na história, dos favores da classe dominante, sobretudo nos albores do
capitalismo – ou, agora, das chamadas políticas públicas, nos sistemas
institucionais mais modernos. No capitalismo contemporâneo, um pequeno segmento
desse setor se liga diretamente ao capital, com pouca ou nenhuma intervenção do
Estado, isto é, com uma certa dose de autonomia: são as grandes celebridades
das artes, dos espetáculos, dos esportes. Mas a grande maioria segue dependente
de estruturas institucionais de proteção. No nosso país, o Estado tornou-se
fundamental para a existência desses artistas, e de forma muito própria. Até
grandes produções, em diferentes linguagens, passam pela relação com o Estado
através da renúncia fiscal, sobretudo pela lei Rouanet ou pela taxação de
segmentos de mercado, como os mecanismos de financiamento do audiovisual. Mas
grande parte dos artistas, dependentes diretos do Estado para o acesso aos
meios de produção e de circulação dos bens que produzem, ocupam um nicho social
próprio e bem definido. Muitos, não participando do mercado no sentido mais estrito,
tendem a se identificar mais com a classe trabalhadora da qual, com alguma
frequência, se originam. Certamente não constituem realmente uma “classe”
artística, como muitos costumam representá-la (ou representar-se), mas sim um
segmento especializado, e corporativo, da população – daí o cabimento do
conceito weberiano. O Estado brasileiro, como os de muitos outros países, em
sua clássica função de regular os conflitos sociais preservando ou promovendo
os interesses das classes dominantes, criou uma rede de assistência, que é
também de dependência, vital para a sobrevivência de uma ampla gama de práticas
culturais ou artísticas.
A autoria como propriedade
Como trabalhadores, os artistas produzem bens e
serviços – as chamadas obras: de literatura, música, cinema e outras, e as
apresentações, como espetáculos, exposições– cujo aproveitamento social é,
principalmente, mas não exclusivamente, controlado pelo capital, pelas
companhias de edição, de produção musical, audiovisual, etc. Mas esses
trabalhadores têm uma particularidade, uma diferença significativa em relação
aos demais: artistas constituem apenas uma parte relativamente pequena dos
consumidores finais, com os quais, aliás, em geral não se confundem. Produtores
e consumidores, no esquema produtivo capitalista, são partes iguais de uma
mesma equação econômica e social em que apenas se distinguem como descrição: o
consumo é produtivo, o trabalhador é o consumidor. E não há dificuldade para
que se identifiquem nos dois papéis.
Poucos artistas, porém, se reconhecem, se pensam como
público, isto é, como consumidores – embora o sejam. A forma de consciência mais
comum vê as manifestações artísticas como fruto de um talento ou sensibilidade
especiais, exclusivos e, de certa forma, como uma forma de propriedade,
dos artistas. De fato, em seu formato mais flagrantemente ideológico, essa
noção de propriedade, dita intelectual ou autoral, não evitou –
antes, facilitou - que ela se tornasse transferível para o capital que controla
de fato sua circulação social. Essa forma de propriedade, hipereufemisticamente
chamada de direitos autorais, é cada vez mais central no sistema atual
de apropriação da produção humana, e definidora do estágio atual do modo de
produção capitalista. Aqueles artistas que, com ou sem consciência, defendem
essa ideia apenas reproduzem e disseminam a ideologia da classe dominante: a
chamada arte, ou artes, como propriedade.
André Reszler[7] tem uma citação de Piotr Kropotkin sobre a arte:
“A arte da idade
média, como a arte grega, não conhecia esses armazéns de curiosidades que
chamamos um museu ou uma galeria nacional. Esculpia-se uma estátua, fundia-se
um bronze ou pintava-se um quadro para serem colocados em seu lugar próprio num
monumento de arte comunal. Aí a obra vivia, era uma parte vivente do todo, e
contribuía para a unidade da impressão produzida pelo todo.”
O teórico anarquista descreve justamente a circulação
da cultura, das “artes” e das obras como propriedade comum e como processo
social em que estão imersos todos os produtores e talentos individuais
criadores. Michael Spitzer, igualmente, destaca o processo histórico que levou
à “especialização” dos talentos sobretudo no Ocidente, abafando a capacidade
criativa da maioria, dos públicos[8]. A circulação desses
conteúdos entre a espécie, justamente, é o que distingue o ser humano como
animal social. Produzimos sentidos, conteúdos, pela nossa relação
intersubjetiva com nossos semelhantes, organizando-nos socialmente para
produzir e para nos reproduzirmos. É essa circulação, coletiva, social, que
cria, e quando reconhecemos um produtor em especial dessa criação, é certo que
ele está indissoluvelmente inserido nesse processo coletivo, em que é um elo de
uma produção que o antecede e que a ele sucederá. A conhecida frase de Gramsci:
“todo homem é filósofo”, adapta-se perfeitamente à ideia de que todo humano é
artista; apenas o modo de produção estabelece, “seleciona” especialistas.
Com o desenvolvimento da chamada Inteligência
Artificial, a autoria perde seus últimos traços de originalidade aparente, de
sensibilidade imanente: os sofisticados sistemas algorítmicos usados atualmente
pelas grandes empresas cibernéticas – as chamadas Big Techs - reproduzem
ou mimetizam de forma automatizada os processos de interação social de produção
de sentido, que estão na origem da criação das diversas linguagens e
manifestações artísticas: são generativos, como se diz. É cada vez mais difícil
distinguir, assim, a “autoria” da máquina daquela produzida pelo processo
social – o que comprova outra vez o caráter falacioso da própria noção. Se essa
noção especializada de autoria não existia antes da Renascença, parece que
deverá desaparecer novamente da história em futuro próximo. O capitalismo pode
destruir o intermediário – o artista – que ele mesmo criou.
Uma condição colonial
Mais uma vez de maneira muito simplificada, podemos
dizer que o Brasil nunca superou uma espécie de condição colonial que, apesar
de mais de 500 anos de história, se reproduz, se reinventa a partir de uma situação
inarredável de dependência, subalternidade e atraso. Continuamos a exportar
produtos brutos – hoje dependentes até na nomenclatura: commodities – e
a importar os bens de consumo final, inclusive no campo das ideias. Em muitos
sentidos, o País nunca teve, realmente, uma revolução burguesa: as
transformações fundamentais que têm maior relevância para nós aconteceram na
Europa ou na América do Norte, e mesmo em partes da Ásia. Nossa burguesia
nacional nunca foi capaz de liderar um processo autônomo de independência e
desenvolvimento. Nem nossas classes trabalhadoras conseguem propor efetivamente
um projeto alternativo de justiça social e emancipação ao conjunto da
sociedade. Parte importante do Brasil é moderna, somos completamente
capitalistas de modo bem próprio, mas apenas construímos nossa realidade de
forma reativa, dependente, subalterna, determinada pelas classes dominantes no
plano mundial.
A questão da hegemonia
Também vou ser breve, simples e esquemático neste
item. As revoluções, isto é, as transformações sociais profundas, radicais,
quase sempre violentas e rápidas (historicamente), são produto da acumulação de
transformações parciais, muitas vezes localizadas, geralmente pacíficas e de
mais longa duração. De fato, o capitalismo, que tem algumas origens distantes
no ressurgimento das cidades durante o feudalismo, ou no desenvolvimento da
chamada etapa mercantil – ou de acumulação primitiva – já era
institucionalmente dominante em muitos aspectos da economia e da sociedade
quando a insatisfação com os problemas do feudalismo finalmente atingiu os níveis
insurrecionais (um pouco diferentes entre si nos casos clássicos de revolução
burguesa) indispensáveis para a conclusão do processo. Ao contrário do que
parecem pensar o que chamamos de esquerdas em nosso País, o caminho para uma
mudança revolucionária da nossa condição colonial não se constitui apenas de
eleições periódicas e de manifestações “nas ruas”. Estas exigem um arcabouço
ético e ideológico que motive as massas, sustente sua disposição diante das
dificuldades e derrotas parciais em suas lutas políticas. Em suma, instituições
capazes de reunir as comunidades de trabalhadores[9], gerar e fazer circular
entre eles valores e ideias que permitam seu autoconhecimento, seu
reconhecimento como classe e como agente social e histórico da única
transformação realmente possível em nossa sociedade. Hoje cada vez mais
urgente, sob a dupla ameaça de aniquilamento nuclear ou de extinção pela
destruição planetária.
É claro que tampouco uma rede de instituições
culturais é por si só suficiente para promover a revolução. O conhecimento e a
indignação que mobilizam para as transformações revolucionárias não são mero
produto de um processo de certa forma educacional: a consciência de classe se
forja, dialeticamente, e por saltos qualitativos, nas lutas concretas. Depende
da interação, portanto, das formas de organização com base econômica,
ideológica e política. As direitas - aplicando a mesma forma de tratamento
usada mais acima - estão vencendo essa disputa, ocupando espaços comunitários
com seus templos milenaristas, usando muito mais ampla e eficientemente os
meios digitais de comunicação, enchendo “as ruas” com alienados alucinados,
dominando o Congresso e, em grande medida, determinando os limites da própria
governabilidade, da democracia capitalista liberal e dependente.
Um Sistema Nacional da Cultura – representação e
políticas
Se combinamos o caráter patrimonial, de estamento e,
ainda, a noção de intimismo à sombra do poder – que Carlos Nelson
Coutinho empresta de Lukács[10] -
talvez fique mais fácil de compreender o que segue. O último conceito, de que
ainda não nos ocupamos, refere-se, neste caso, à ausência de questionamento -
por parte dos beneficiados pelos programas governamentais para a área da
cultura comunitária - desse mesmo governo e das bases político-ideológicas das
suas chamadas políticas públicas. Em que pese um certo sentido progressista,
dito genericamente de esquerda, dos partidos que orientam e administram esses
programas voltados para várias formas de produção cultural comunitária, eles
foram fortemente influenciados por ideias neoliberais, como as de
empreendedorismo, economia criativa e outras sobejamente adotadas nos
discursos, nas disposições e mesmo na administração de instituições federais. Assim, a ideologia subjacente e corporificada pela
legislação que cobre esse tema – a cultura – reproduz a lógica, a dependência e
a reprodução do mercado na produção mais comercializável, e oferece uma postura
paternalista de “proteção”, de “orientação” ou de “educação” dos públicos
populares e comunitários, nos quais não reconhece, de fato, iniciativa e
autonomia. Eles participam do Sistema através dos artistas, “profissionais” ou
especialistas supostamente mais representativos e gabaritados que os públicos –
as pessoas comuns - às quais se reserva o papel de objeto, plateia ou
“beneficiada” das políticas ironicamente chamadas de públicas.
Aqui também parece haver uma contaminação de tipo
estruturalista. Muitas vezes mal comparado a outros “sistemas”, como o de
Saúde, que é assistencial por definição, o “sistema” acaba por substituir o
processo participativo, engessando a dinâmica social própria da cultura. O
Sistema Nacional de Cultura, iniciativa ainda do primeiro governo Lula, constrói
um edifício relativamente complexo de relações entre entes culturais: federais,
estaduais, municipais e, finalmente, individuais, supostamente estabelecendo,
dessa forma, uma representação democrática do conjunto da população. A
iniciativa é, em alguma medida, positiva, especialmente no campo
administrativo: procura organizar as relações entre as instâncias públicas,
assegurar certos fluxos de recursos, propiciando um avanço inédito em vários
aspectos da gestão estatal principalmente da produção artística – incluindo a
considerada artesanal. Esse avanço representa uma sistematização, uma reforma
importante da burocracia da cultura. Mas subsistem questões essenciais,
equívocos fundamentais de análise política, e vícios burocráticos encrostados
na administração pública.
Esse “sistema” estabelece várias instâncias de suposta
participação cidadã. No entanto, os diferentes tipos de conselhos e alçadas de
participação são, de forma geral, majoritariamente constituídos por
funcionários públicos ou indicações das instituições ou gestores
governamentais. Ou são meramente consultivas. Da mesma forma, as conferências
municipais, estaduais e nacional, promovidas com recursos governamentais para
considerar propostas originadas no aparelho estatal, acabam substituindo as
iniciativas populares pela mobilização partidária militante e por diferentes
oportunismos que facilitam a cooptação, talvez não buscada, mas facilmente
assimilada. É o Estado que, em grande parte, seleciona, organiza, gere e, em
última instância, direciona as formas de organização, participação e
deliberação dos participantes
No entanto, a questão mais fundamental é a ausência do
público, do povo mesmo, nesse processo. Reproduzindo o viés proprietário,
elitista e excludente (com roupagens populares, quase que literalmente) – principalmente
corporativo e, no limite, conservador – as “bases” do sistema, as conferências
e conselhos são constituídas basicamente por artistas e outros profissionais ou
especialistas, e não pela população mesma ou, em outras palavras, pela
totalidade das classes trabalhadoras, isto é, do público. Não se prevê a
participação de sindicatos, associações de moradores, movimentos sociais e muitas
outras formas de organização popular, privilegiando os artistas, estimulando um
caráter corporativo – e dependente. A interpretação da participação democrática
é feita de forma proprietária: uma espécie de voto censitário, em que a
propriedade indispensável para legitimar essa concepção de cidadania é a
pretensa autoria, o suposto talento, a diferenciada sensibilidade artística.
Evidentemente, os produtores de bens e serviços
chamados de artísticos necessitam, na organização social em que vivemos, de
proteção e apoio: o mercado não os ajuda, antes os enfraquece e até combate – o
Estado, então, o substitui no papel de “instrumento
e local da conciliação de classes”[11]. Mas, como a realidade
tem demonstrado, as necessidades econômicas corporativas influenciam fortemente
nos processos de cooptação, de intimismo e, afinal, de substituição da
representação mais radicalmente democrática.
O desenvolvimento dessa concepção é, em grande parte,
decorrência das primeiras experiências com programas culturais de base
comunitária, como o programa Cultura Viva e seus apêndices, que serviram de
base para a formulação do Sistema Nacional de Cultura. Ali já estavam em germe
todas essas contradições, que continuam a influenciar os novos textos legais, sem
um efetivo desenvolvimento crítico. Ao contrário, uma nova legislação[12], fruto indireto do
período bolsonarista, acaba sendo adaptada a posteriori, sobretudo
quando esses textos legais passam à fase de execução, através dos decretos
regulatórios e, especialmente, dos editais. Produzida no Congresso – uma vez
que o Executivo era anticultura – procura-se adequá-la posteriormente a um
centralismo característico dos governos progressistas recentes. Aí se percebe
mais um desvio de orientação: os editais interferem e modificam os textos
legais, reintroduzindo um protagonismo estatal que exclui, acrescenta ou
substitui parte das disposições originais da lei.
Conclusões
A cultura não é uma atividade ou profissão. Muito
menos um mercado. É um processo social muito mais amplo e complexo. Não é
responsabilidade dos artistas, mas de todo o povo, de todos os públicos – tal
como a guerra ou a ordem social não podem ser responsabilidade exclusiva de
militares ou policiais. A concepção proprietária da produção cultural serve bem
ao capital que, com essa forma, se apropria do valor produzido pelos produtores
culturais e determina seus beneficiários. Politicamente, o poder real continua
fora do alcance das grandes maiorias. A presença destas é apenas simbólica,
representada através de alguns aspectos formalmente democráticos, parcialmente populares,
pouco significativos em termos de participação e, sobretudo, de ação
transformadora radical.
Essa crença é manifestação subsidiária da ideologia das
classes dominantes e dela decorre, em última instância, a orientação seguida
pelo governo brasileiro. É claro que esse arcabouço administrativo e vários
aspectos dessa política constituem-se em avanços relativamente a praticamente todos
os outros governos da República. Este texto não é contra os artistas, que são
uma parte significativa nesse processo, mas sim a favor do público, que
constitui a real totalidade. Em que pese seus avanços, contudo, essa política,
esse Sistema não trata do essencial, não representa uma mudança na orientação
ideológica dominante e não busca a sua superação, promovendo, de fato, a sua
reprodução.
[1] Marx, Karl. 2012 (1844). Manuscritos
económico-filosóficos. São Paulo: Boitempo.
[2] Martín-Barbero, Jesús. 2013. Dos
meios às mediações. Comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: UFRJ.
[3] Freire, Paulo. 1994. Pedagogia
do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz & Terra.
[4] Faoro, Raymundo. 2000. Os Donos
do Poder. São Paulo: Publifolha (Editora Globo)
[5] Holanda, Sérgio Buarque de.
2008. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras
[6] Fernandes, Florestan. 2008. Mudanças
sociais no Brasil. São Paulo: Global.
[7] Reszler, André. 1974. La
estética anarquista. México: Fondo de Cultura Económica, apud Hardman, Francisco Foot. 1984. Nem Pátria, nem Patrão! (vida
operária e cultura anarquista no Brasil). São Paulo: Ed. Brasiliense. Não consegui
acesso gratuito ao livro de Reszler: a citação pode ser de Kropotkin, P. 2009. Ajuda mútua: um fator de evolução.
São Sebastião: A Senhora.
[8] Spitzer, Michael. 2021. The
Musical Human – A History of Life on Earth. Londres, Oxford, Nova York, Nova Delhi, Sidney
– Bloomsbury Publishing.
[9] O termo, no Brasil, inclui
trabalhadores formais e informais, desempregados e excluídos da própria
condição de trabalho, por diversos motivos econômicos e preconceitos
ideológicos – como gênero e outros.
[10] Coutinho, Carlos Nelson.
2005. Cultura e sociedade no Brasil – ensaios sobre ideias e formas. Rio
de Janeiro: DP&A Editora.
[11] COUTINHO, Carlos Nélson, op. cit.
[12] Considero aqui
fundamentalmente a Política Nacional Aldir Blanc. Os textos chamados de Lei Aldir
Blanc 1 e Lei Paulo Gustavo foram propostos sobretudo para mitigar os problemas
da Pandemia e, no segundo caso, principalmente para compensar as perdas da
produção audiovisual nacional durante o governo criptofascista. Ver mais em https://felipemacedocineclubes.blogspot.com/2022/08/politica-nacional-aldir-blanc-nova.html
segunda-feira, 25 de setembro de 2023
A contradição cineclubista
e a reconstrução
do cineclubismo
A
publicação de um edital do estado do Rio de Janeiro para “cineclubes,
atividades de formação e festivais”[1],
que regula a aplicação da Lei Paulo Gustavo, escancara o que estou chamando de contradição
cineclubista. É um fenômeno análogo ao da chamada dissonância cognitiva, em
que as ações de uma pessoa não correspondem a suas crenças e valores, mas que aqui
está estampada na formulação e regulamentação especialmente da Lei Paulo
Gustavo (que se observa também em outros textos legais relacionados ao
cineclubismo). Na verdade, essa dissonância, paradoxo ou contradição se
manifesta também na própria realidade dos cineclubes.
O
edital fluminense é especialmente importante porque esse estado é
historicamente central na organização institucional e política do cinema
brasileiro, sede de várias das entidades mais importantes da produção
cinematográfica e de algumas repartições públicas também fundamentais para a
“indústria”. Além disso, os cineclubes do Rio de Janeiro têm igualmente uma
história muito significativa e influente, tanto localmente como dentro do
movimento cineclubista nacional. Certamente várias características desse edital
constituirão exemplo e serão reproduzidas em outros estados, e também
municípios, Brasil afora[2].
Já a
contradição cineclubista consiste no fato de que as atividades que se
identificam como cineclubes atualmente no Brasil não são mais cineclubes
segundo a legislação brasileira. E a aplicação de um programa de política
pública para cineclubes – o referido edital – é virtualmente impossível. Essa
contradição, na verdade, perpassa todo o universo cineclubista: ela está
presente e é central igualmente para a própria organização dos cineclubes e especialmente
para a sua união em entidades representativas locais ou nacionais. A
manifestação formal da contradição é o fato de que cineclubes são
necessariamente associações (até por isso o termo clubes), coletivas,
e não iniciativas individuais. Para que o Estado as reconheça legalmente, isto
é, para que possa formular políticas públicas para os cineclubes, essas
associações precisam ter alguma forma de constituição legal, tradicionalmente o
registro em cartório, hoje em dia sobretudo o CNPJ. Mas, mais que isso, para
comprovarem que são associações constituídas de acordo com a lei, também
precisam comprovar que são associações sem fins lucrativos – que não são
empresas comerciais, que distribuem seus resultados entre os associados - e que
são regidas por normas democráticas, isto é, em que os responsáveis são
escolhidos (eleitos) pelo conjunto dos associados, e substituídos da mesma forma
periodicamente. Precisam, ainda, ser abertas, isto é, suas regras devem estabelecer
condições para a entrada de novos sócios: não podem ser grupos fechados. Isto é
uma definição sucinta e simplificada de associação. Ora, quantos
cineclubes você conhece que são organizados dessa forma? Quantos cineclubes
podem apresentar CNPJ e a documentação de sua mais recente eleição, de acordo
com seus estatutos? No edital em questão há a previsão de 32 entidades
contempladas com o que considero pequenos valores (como sempre, muitíssimo
inferiores às quantias destinadas a outras atividades). O Rio de Janeiro é um
estado com várias iniciativas cineclubistas, algumas bem conhecidas de muitos
de nós. Será que, todas juntas, somam 32 entidades constituídas conforme a legislação?
Mas a
contradição é mais profunda, e generalizada. O canal YouTube do Conselho
Nacional de Cineclubes Brasileiros/CNCB – grupo que pretende representar os
cineclubes de todo o País – tem uma definição do que devem ser os cineclubes[3]:
“uma sociedade organizada que reúne apreciadores de cinema para fins de
estudo, debate ou lazer e onde se exibem filmes de interesse cultural”. Diz
ainda que qualquer pessoa pode participar de um cineclube, “desde que aceito
pelos demais associados, em conformidade com seus estatutos,
regimento ou carta de princípios”.
Uma publicação ainda mais recente - Cineclubismo – Organização e
Funcionamento[4]
também aborda a questão, salientando que “a atividade cineclubista
exige um esforço coletivo continuado para que haja uma prática democrática, com
transparência e ética”. Posto isso, “nem sempre precisa haver a
formalização da pessoa jurídica” (ambos os trechos sublinhados são de minha
iniciativa). No entanto acrescenta: “O que dificulta a ausência de um CNPJ é
que o cineclube não vai concorrer em editais nem estabelecer convênios,
participar de editais públicos e privados.” Nos dois exemplos se reproduz,
de certa forma, uma postura do cineclubismo brasileiro adotada nos anos 70[5]:
a de que os cineclubes devem ser atividades associativas, organizadas
democraticamente, com formas de participação claras e sujeitas a avaliação
pública. A sua formalização estritamente jurídica se insere em um plano
diferente, ou seja, a de participação no processo político e administrativo formal:
a capacidade de beneficiar-se das chamadas políticas públicas. Para a
colaboração organizada com outros cineclubes o registro formal é opcional, o
que importa é a democracia. Até aqui estou me repetindo.
A
questão mais essencial é que a quase totalidade das iniciativas e práticas que
se reconhecem ou se denominam como cineclubes deixaram de ser associativas – e,
portanto, democráticas -, frequentemente dependentes exclusiva ou
principalmente de uma única pessoa ou de grupos limitados, sem uma participação
decisiva das comunidades a que se dirigem, mais do que propriamente integram.
Há várias outras questões ligadas a essa situação, mas vou desenvolver mais
esse ponto.
A
referência ao CNCB serve para mostrar que uma organização nacional de
cineclubes é, nestas condições, uma contradição, virtualmente impossível: como
organizar uma entidade nacional com cineclubes constituídos de forma
associativa e organizada, se eles praticamente não mais existem? Cabe a mesma
pergunta: quantos cineclubes ditos “membros” do CNC estão constituídos “em
conformidade com seus estatutos, regimento ou carta de princípios”? Não é,
portanto, uma mera questão tecno-legal. Cineclubes sem alguma forma de
associação responsável – isto é, de participantes que decidem –, com regras de
conhecimento público, não são organizações dos públicos, como definem a
Federação Internacional de Cineclubes e a conhecida Carta de Tabor dos
Direitos do Público[6].
Não são comprovadamente “sociedades organizadas”, democráticas, transparentes
nem éticas. Para se constituir em uma entidade federativa nacional, é preciso
que tenham uma forma de organização comum, com transparência na sua
representação que, por sua vez, será a forma decisiva de deliberação e gestão
(eleição) de uma direção nacional. Essa é a contradição cineclubista atual:
social (porque os cineclubes têm quase nenhuma ressonância popular ou
cultural), política e legal.
Truculência
ou truque?
Por
que, e como, os cineclubes, que durante décadas se organizaram sem grandes polêmicas
segundo as regras descritas mais acima[7],
passaram à informalidade e à inexistência legal? Esse processo começa,
acredito, no governo FHC, sendo continuado e até agravado nos subsequentes
governos petistas. Mais que um problema governamental, no entanto, penso que
correspondeu a um progressivo crescimento do peso da burocracia nas
administrações públicas, levando a uma complicação formal desnecessária e ao encarecimento
dos processos legais de reconhecimento das organizações da sociedade civil. Em
outras palavras: os cineclubes normalmente se registravam em cartório, através
de seu representante formal (geralmente o presidente), apresentando os
estatutos e as atas das assembleias de constituição e eleição de suas direções.
O custo disso não era inalcançável pelos cineclubes organizados dessa forma.
Talvez mais importante ainda, os cineclubes eram imunes tributariamente,
isto é, dispensados de todo e qualquer imposto, já que não têm fins lucrativos
– isto é, como dizia a Lei 5.536[8]:
não era permitida a “distribuição de lucros, bonificações ou quaisquer
vantagens pecuniárias a sócios, mantenedores e associados”. Hoje, esses
custos aumentaram consideravelmente, proporcionalmente à burocracia dos
processos de registro: é preciso que um advogado assine estatutos e atas para
que seja feito seu registro – pelo que ele provavelmente cobrará – e há toda
uma série de registros, cadastros, com respectivos emolumentos e impostos. Até
nas quantias referentes a apoios, prêmios, etc.,
de parte do próprio Estado, se descontam impostos! A essa burocratização e
precificação das próprias funções do Estado se soma um processo bem mais
complexo e generalizado de desorganização dos setores populares, das entidades
representativas de bairro, sindicais, etc.
Claro, a informalidade é mais fácil – mas também nociva. “Pra baixo todo santo
ajuda”, diz a sabedoria popular...
Diante
do fato consumado da desorganização formal (e real) de parte da sociedade civil
– mas sempre pensando aqui nos cineclubes - as políticas públicas dos governos
petistas criaram uma virtual ilegalidade que, no entanto, vigeu mais ou menos
até agora: criaram a possibilidade de pessoas físicas representarem o
que seriam suas comunidades diante dos programas públicos. Foi como “apagar
incêndio com gasolina”. Criou-se uma espécie de categoria social: o especialista
de edital, capaz de suprir individualmente não apenas os conhecimentos técnicos
para tratar da burocracia, mas igualmente passando a representar – de fato,
substituir – a entidade e, por extensão, a comunidade. O resultado final desse
processo foi a desarticulação quase total do cineclubismo, finalizando uma
trajetória mais complexa que traz à atual realidade de informalidade.
Acredito
que a ilegalidade flagrante, evidente, da “pessoalização” da representação das
comunidades ficou patente e, por isso, voltou a existir, nos editais atuais,
exigência da organização formal na relação com o Estado. Dada a naturalização
do processo de informalização e desarticulação dos cineclubes, isso pode parecer
uma certa truculência para quem se acostumou com a situação anterior, muitas
vezes incapaz de compreender seu caráter ilegal do ponto de vista jurídico e
institucional e os efeitos nocivos social e culturalmente. Ou, como perguntamos
antes: quantos cineclubes são organizados de forma associativa e democrática?
Também
como já foi dito: a resposta muito pessimista à questão escancara o fato de que
não existem, ou são bastante raros, cineclubes assim constituídos. Assim,
parece ter sido criado um truque, uma saída para o que pareceria uma imposição
truculenta: delegar a representação do cineclube (a categoria prevista
na lei Paulo Gustavo), que precisa ter personalidade jurídica (exigência do
Código Civil, que se lhe sobrepõe), a uma entidade terceira, que tenha CNPJ.
Essa comporta de emergência, fragílima do ponto de vista legal (pode ser
denunciada por qualquer instituição que se sinta prejudicada pelo “truque”
legal), foi inserida como anexo, exclusivo para cineclubes, no Edital do Rio de
Janeiro. O que parece diferente, mas na verdade reintroduz o mesmo fenômeno
desagregador do cineclube. Ou talvez seja até mais grave: pode criar novas
formas de dependência. Embora essa “transferência de responsabilidade” possa, na
provisão do edital, se dar com qualquer entidade que possua CNPJ, algo me diz
que as mais compreensivas seriam provavelmente as empresas produtoras. Mas há mais
aspectos nisso, é ainda mais grave. Vamos analisar isso mais em profundidade?
A
hegemonia do cinema e do “autor” sobre a organização das comunidades (e no
dinheiro público)
Um
cineclube não é simplesmente um espaço (real ou virtual) de exibição de
filmes ou quaisquer outros conteúdos audiovisuais. Essa visão ideológica
corresponde aos interesses da produção, seja a do cinema mais
industrial, comercial, profissional (daí, em boa parte, a bandeira do cinema
nacional), ou a independente, autoral ou amadora. Dessa forma, o cineclube
consiste no ato, no evento de exibir um filme (seguido de debate com
realizadores ou outra forma de autoridade ideológica), preferencialmente
nacional. É uma forma – substitutiva - de mercado, num país em que mesmo o
chamado cinema comercial não se realiza no mercado de troca de mercadorias, mas
na própria produção: a quase totalidade dos filmes de longa metragem
brasileiros (uma das maiores “indústrias” do mundo) não se paga na exibição em
salas: a remuneração de seus realizadores – o conjunto dos envolvidos na
produção – é feita na fase de captação de recursos públicos diretos, indiretos
ou de renúncia fiscal. E uma pequena participação privada. O mesmo se dá com os
outros patamares de produção, com exceção de um segmento muito pequeno de
produções totalmente alternativas. Os festivais de cinema - com exceção
de alguns poucos, em outra categoria de importância, mais voltados à produção
internacional -, igualmente mantidos pelo mesmo sistema público, se tornaram os
principais espaços de divulgação da produção que não encontra outros canais de
exibição. No Edital de que vimos falando, os festivais receberão um valor
1.100% superior ao destinado aos cineclubes. E estes, reduzidos a simples ações
de exibição, supostamente sem custos de qualquer natureza (exceto a remuneração
de curadores ou outras autoridades e, claro, eventualmente, de direitos
autorais), aparecem no Edital como ações de exibição previstas para até 4 meses
(item III do Objeto), nada mais. Um ciclo, diríamos antigamente... Penso que é
bem evidente o que chamo de hegemonia do cinema e do autor na concepção
e na proposição do edital. De fato, de toda (se é possível empregar esse termo)
a política nacional para os cineclubes.
De
fato, até Célio Turino, um dos formuladores e gestores das políticas públicas
que incluíram cineclubes nos governos Lula, hoje denuncia o que chama de editalização
da cultura[9], que
descreve como um instrumento de competição e de exclusão a serviço do capitalismo.
Mas creio que ele não mostra como a editalização das leis as adapta segundo
esse traço ideológico. No caso do campo audiovisual – incluídos os cineclubes –
é a hegemonia da produção. Outro sintoma, pequeno, mas significativo disso é
que a Lei Paulo Gustavo fala sempre em audiovisual, e particularmente no item
III do § primeiro do art. 8º - que regula todos os elementos desse edital -; no
entanto, o referido edital nunca menciona a palavra audiovisual, substituída
sempre por cinema. É o cinema que manda.
A
reconstrução do cineclubismo
Cineclube
é uma organização do público que se utiliza dos meios audiovisuais,
principalmente, para promover o entretenimento, a autoformação, a memória, a
identidade e a expressão desse público. A questão central, no cineclube, não é
o cinema (ou quaisquer outras mídias), e sim o público. O cineclube é a
instituição audiovisual da comunidade – entendendo-se comunidade como todo
grupo de pessoas com características, necessidades e anseios comuns, como
moradores de um mesmo território (bairros, cidades, etc.), grupos de
identidades diversas (étnicas, profissionais, de gênero, de classe, etc.) ou os
que partilham interesses variados (por temas, estilos, culturas, etc.).
O
cineclube, na sociedade, tem uma constituição dual. É uma organização
cultural, social, política e representativa em seus escopos determinados,
isto é, no campo das expressões simbólicas audiovisuais[10].
Concomitantemente, é também - sobretudo para fins de reconhecimento
institucional e participação em políticas públicas – uma entidade do campo
audiovisual, isto é, a que concernem todas as mídias audiovisuais e
digitais contemporâneas e as que venham a ser, eventualmente, criadas. O
cineclube pode e deve ser apoiado, estimulado pelo Estado tanto como
organização comunitária, como em seus projetos e atividades mais
especificamente audiovisuais. Esses dois aspectos estão separados na Lei Paulo
Gustavo, que exclui os cineclubes de várias atividades e necessidades,
considerando-os apenas no item III do Art.6º - este que determina o escopo do
edital fluminense – e alijando-os da produção (item I) e até mesmo da
manutenção de salas de cinema (não confundir com cineclube!), até as
itinerantes (item II), sem falar de novas formas de exibição (item IV).
Cineclube é uma sessãozinha de cinema. Ou um ciclo de filmes de quatro meses...
Para
reconstituir o tecido de um movimento social e cultural – o movimento
cineclubista – é indispensável recuperar as suas células, os cineclubes. É
preciso, então, restabelecer a organização democrática de cada cineclube, ainda
que isso dê bastante trabalho. É mais cômodo pensar o cineclube como exibição
e debate: com os recursos digitais atuais é uma atividade que requer pouco
esforço, quase nenhum custo e, claro, alguma disponibilidade pessoal e de
tempo, nada mais. Já uma atividade que reúna uma comunidade, que organize
diversas atividades além de exibições (como arquivo, produção, eventos
comunitários, etc.) e as administre de forma
participativa e democrática, é bem mais trabalhoso. Cineclube não é, ou não
deve ser, um passatempo, uma atividade eventual, um hobby fácil e
prazeroso. A satisfação que traz é, ou pode ser, bem mais significativa. Mas
essa gratificação é, também, proporcional ao trabalho que envolve, que significa.
Assim,
uma das primeiras tarefas da luta dos interessados em desenvolver o
cineclubismo, é criar melhores condições para sua organização formal. Ora, já
vimos que não é possível organizar uma federação cineclubista, regional ou
nacional, que tenha existência real, democracia comprovável, representatividade
orgânica, se os próprios cineclubes não as têm. No entanto, subsiste uma
cultura, alguns chamam de atitude, um interesse cineclubista. E um campo social
e popular que necessita desse tipo de ação e organização. Assim, um primeiro
passo é reunirmos um Fórum Nacional de Cineclubismo e Audiovisual Comunitário –
eventualmente como conclusão de um processo de fóruns locais e/ou regionais.
Esse
Fórum, informal e aberto a todas as pessoas e iniciativas coletivas interessadas, seria um primeiro espaço possível para o
reconhecimento da realidade concreta das práticas cineclubistas e de animação
audiovisual comunitária. E a partir dessa identificação, se poderia construir
uma base de interesses comuns, dos quais decorram reivindicações objetivas.
Anexos
Anexo I - Lei Paulo Gustavo[11]
“A chamada lei Paulo Gustavo se define como uma medida emergencial. Proposta como um conjunto de ações em tempos de pandemia, irá vigorar apenas nos últimos meses de 2022[12] (paradoxalmente já um tanto fora desse contexto pandêmico). Mais que isso, como mais de 70% (2,797 bilhões) dos seus recursos são destinados ao audiovisual - esse termo bastante impreciso - e desses quase três bilhões, outros 70% (1,957 bilhão) irão diretamente à produção de cinema, o caráter emergencial da medida consiste, na verdade, na recuperação dos recursos perdidos pela produção cinematográfica brasileira[13] durante o atual desgoverno. Não se trata de comunidade, mas de mercado – que também é importante para a cultura nesta fase.
Outros recursos (1,65 bilhão) irão para os setores que
não sejam audiovisuais, conforme o parágrafo terceiro do Art. 8º da Lei:
É vedada a utilização dos recursos previstos neste artigo para a realização
de ações voltadas ao setor audiovisual nos termos do art. 5º. O tal do
artigo 5º, na verdade, traz a relação de valores (do total de 3,862 bilhões)
para cada atividade, e remete ao artigo 6º, que é importante destacar aqui para
os nossos objetivos cineclubistas. O artigo 6º lista as ações emergenciais que
deverão ser apoiadas. Juntando os dois (5º e 6º) para nossa contribuição, as
áreas e valores são:
I – o apoio a produções audiovisuais, de forma
exclusiva ou em complemento a outras formas de financiamento, inclusive aquelas
com origem em recursos públicos ou financiamento estrangeiro (1.957 bilhão);
II – o apoio a reformas, restauros, manutenção e
funcionamento de salas de cinema, incluindo a adequação a protocolos sanitários
relativos à pandemia da covid-19, sejam elas públicas ou privadas, bem como
cinemas de rua e cinemas itinerantes (447,5 milhões);
III – a capacitação, a formação e a qualificação no audiovisual,
o apoio a cineclubes e
à realização de festivais e mostras de produções audiovisuais, preferencialmente
por meio digital, bem como a realização de rodadas de negócios para o setor
audiovisual, para a memória, a preservação e a digitalização de obras ou
acervos audiovisuais, ou ainda o apoio a observatórios, publicações
especializadas e pesquisas sobre audiovisual e ao desenvolvimento de cidades de
locação (224,7 milhões); e
IV – o apoio às micro e pequenas empresas do setor
audiovisual, aos serviços independentes de vídeo por demanda cujo catálogo de
obras seja composto por pelo menos 70% (setenta por cento) de produções
nacionais, ao licenciamento de produções audiovisuais nacionais para exibição
em TVs públicas e à distribuição de produções audiovisuais nacionais (167,8 milhões).
Mas
tem mais: 1,65 bilhão, como já dissemos, vai para setores não audiovisuais. E
aí fica clara uma das grandes confusões que enxarcam essa legislação – e
remetem a um problema central dos cineclubes. Se não atuarmos com firmeza nas
frentes políticas locais de negociação dos nossos projetos, essa confusão vai
nos prejudicar bastante. Voltaremos a isso no item “Análise da Política Aldir
Blanc”, mas aqui já indicamos que este trecho da lei, paradoxalmente, sugere
que várias dessas ações não audiovisuais sejam promovidas através da
internet e gravadas. Os cineclubes estão na parte do audiovisual, e
expressamente vetados aqui, mas poderiam muito bem ser compreendidos dentro
desta seção da Lei Paulo Gustavo, art.8º. § 1º, que visa:
I
– o apoio ao desenvolvimento de atividades de economia criativa e de economia
solidária;
II
– o apoio, de forma exclusiva ou em complemento a outras formas de
financiamento, a agentes, iniciativas, cursos ou produções ou a manifestações
culturais, incluindo a realização de atividades artísticas e culturais que
possam ser transmitidas pela internet ou disponibilizadas por meio de redes
sociais e outras plataformas digitais e a circulação de atividades artísticas e
culturais já existentes; ou
III
– o desenvolvimento de espaços artísticos e culturais, microempreendedores
individuais, microempresas e pequenas empresas culturais, cooperativas,
instituições e organizações culturais comunitárias que tiveram as suas
atividades interrompidas por força das medidas de isolamento social para enfrentamento
da pandemia da covid-19.
Desta forma, e como a Lei induz e determina o entendimento dos cineclubes como parte do segmento dito audiovisual, só estaríamos aptos a demandar recursos (da alínea III do art. 6º) no valor de 224,7 milhões, divididos entre os estados e municípios e com as outras atividades previstas nesse item: festivais, formação e outras. No fim seguramente não será muita coisa.
No entanto, como os recursos serão geridos entre os
estados e os municípios (50% para cada nível) os cineclubes podem exercer uma
pressão social e política maior nessas instâncias – sobretudo em seus
municípios – e, dessa forma, argumentar que também se qualificam para todos os
três subitens referentes a atividades não audiovisuais...
Os demais artigos da Lei Paulo Gustavo descrevem
genericamente seus objetivos, fontes de recursos e outros temas que não
levantam questões mais discutíveis aqui no nosso escopo.”
Anexo II - A História se repete[14] (o pessimismo da inteligência[15])
“As palavras iniciais do primeiro capítulo de O 18 Brumário de Luís Bonaparte[16] viraram uma citação bem conhecida: a História se repete, pelo menos duas vezes, primeiro como tragédia e depois como farsa. Aplicando, bem resumidamente, seu uso na atualidade cineclubista brasileira, podemos dizer que a tragédia teria sido o período anterior de Lula, com o governo que mais se preocupou – e, provavelmente, o que mais investiu – no movimento de cineclubes. E, paradoxalmente, foi dos que mais prejudicou esse setor da cultura, cooptando, desestruturando e depois abandonando os cineclubes tornados inteiramente dependentes não apenas das verbas – de resto pouco significativas – mas até das iniciativas, da direção mesmo, oriunda do Estado. Houve um estímulo importante e um abandono e queda ainda mais significantes. Claro, isso não teria acontecido sem a participação voluntária dos próprios cineclubes e de suas direções, nacional e regionais. Hoje, os cineclubes não mais podem ser reconhecidos por suas características mais “tradicionais”: o caráter associativo e democrático, a autonomia (isto é, o oposto de dependência), a autossustentabilidade, a atividade sistemática e a participação social e política. Essa contradição, aliás, está presente em “cartilhas”, oficinas, lives e outras orientações que, no clima de otimismo com o governo (e suas possíveis verbas), que já se instala, repetem “cânones” cineclubistas dignos dos anos 50 – mas praticamente nenhum cineclube brasileiro corresponde a esse modelo. Cineclube, hoje, é “exibição e debate”, com pouca ou nenhuma sistematicidade; é iniciativa individual ou de muito poucos, que geralmente também atinge apenas públicos muito reduzidos.
A possível repetição farsesca será a reprodução da distribuição de kits de projeção para centenas ou milhares de indivíduos, agora sem uma Programadora que oriente sua relação com o público, já que o acesso a conteúdos audiovisuais - na contracorrente da apropriação proprietária de empresas produtoras e realizadores - é tendência cada vez mais dominante nas relações do público com as mídias. De fato, essa “orientação” ou controle da programação será substituído pelo expediente dos direitos autorais: atividades só permitidas, ou orientadas, com autorização dos detentores desses “direitos” – aliás, geralmente constituídos com financiamento público. O Governo já criou cargos em comissão para responsáveis pelos cineclubes – sem qualquer consulta a um movimento que, apesar dos esforços do CNCB (ver o período entre 2010 e 2019), não têm uma real representação ou organização nacional. De fato, na realidade, com cineclubes sem estrutura organizacional não é possível uma representação formal: uma entidade nacional de cineclubes é impossível atualmente. O Estado, reproduzindo seu comportamento anterior em outra realidade, tentará substituir essa representação através das Conferências Nacionais (cuja análise não vou fazer aqui, mas que não conseguem representar os públicos, apenas os autores ou artistas dos mais diversos tipos). Muito possivelmente, o Estado criará – como já fez com os Pontos de Cultura – ou “estimulará” enfaticamente estruturas e organizações ajustadas às “políticas públicas”. E, encurtando estes comentários, poderemos ter mais uma política, leis e programas de curta direção, baseados e dependentes quase exclusivamente do Estado, e que podem desaparecer junto com a mudança de administração. Isso aconteceu com a passagem do governo Lula para a gestão de Dilma Roussef, sua mais confiável seguidora. Em 2026, com Lula octogenário, há uma forte possibilidade de se repetir o fracasso do seu segundo governo quanto aos cineclubes. Mas numa realidade bem diferente, em que a comunicação experimenta uma revolução digital e midiática. E em escala muito maior, com “cineclubes” ainda mais desnaturados e uma desorganização mais ampla e, talvez, mais definitiva. Uma farsa, que pode ser bem trágica.
O otimismo da vontade
Não cabe aqui, certamente, tratar em toda sua extensão e complexidade as propostas necessárias ao restabelecimento do cineclubismo como movimento cultural e social. A própria concepção de cineclube precisa ser revista, antes de mais nada pelo reconhecimento da primazia do público, das comunidades – ou seja, das relações sociais reais - em relação ao discurso semiológico abstrato do cinema. Isto posto, é indispensável o reconhecimento das profundas transformações dos meios de comunicação, a revolução digital e a constituição dos espaços virtuais. Em síntese, que o cinema, ferramenta apropriada pelas organizações do público no final do século 19, e que ocupou um papel fundamental na intermediação das relações sociais até meados do século passado, foi superado por formas mais dinâmicas e mais amplas de comunicação, desde a televisão até a rede mundial de computadores. As mídias audiovisuais em conjunto, como dispositivo social, têm uma presença infinitamente maior e um papel hoje preponderante na própria mediação das relações sociais, da produção da vida à produção da cultura.
As difíceis, quase insuperáveis tarefas concretas que
desafiam os cineclubes brasileiros – e de todo o mundo – envolvem a
reorganização de seu caráter associativo democrático, mas efetivamente
enraizado nas comunidades e movimentos populares. A constituição de uma ampla
rede de participação e colaboração entre cineclubes compreendidos como instituições
audiovisuais das comunidades pode ser parte do processo de transformação do
Estado, de constituição de um Estado em transição para uma sociedade mais
democrática e justa – e nesse sentido deve participar e propor a direção das
políticas culturais públicas dos governos, e não simplesmente seguir diretrizes
elaboradas em gabinetes.
Como já foi dito, um “movimento” de “clubes” de uma
pessoa só, ou de pouquíssimos participantes, sem regras democráticas e sem
inserção popular, não pode ser base para a constituição de uma instituição
nacional representativa. Ou será artificial, fraudulenta ou no máximo
corporativa, reunindo individualidades que pretendem incorporar uma
representação simbólica, imaterial, irreal.
O longo, árduo caminho que as iniciativas e pessoas
que hoje se interessam genuinamente pelo cineclubismo, tem que começar por
formas de reconhecimento, de questionamento honesto de sua condição e das
formas de superar suas fraquezas e deficiências, aproveitando a legislação –
especialmente a Política Nacional Aldir Blanc – para constituir cineclubes
organizados, autônomos, com espaços próprios dentro das mais diversas
comunidades. E, como hoje as iniciativas que se reconhecem como cineclubes
assumem as formas mais diversas, inclusive entre si, ou são simplesmente
iniciativas individuais, a única forma de iniciar esse processo de forma
inclusiva e abrangente é o estabelecimento de um Fórum Nacional de Cineclubismo
aberto a todos[17]: uma
instância informal de circulação de ideias e debates que podem evoluir para
propostas e, no ritmo possível, ajudar a constituir cineclubes integrais de um
novo tipo, base para um movimento organizado em escala nacional.”
[1] Disponível em http://cultura.rj.gov.br/wp-content/uploads/2023/09/LPG-Edital-de-Apoio-a-Difus%C3%A3o-e-Forma%C3%A7%C3%A3o-Audiovisual_-FINAL_18092023-2.pdf.
[2] Embora eu não
tenha examinando mais em detalhe editais de outros estados – e, menos ainda,
dos municípios – penso que eles trarão a mesma contradição,
eventualmente sob diferentes apresentações.
[4] Figueiredo, Hermano; Barbosa,
Regina Célia e Seabra, Carlos. 2023. São Paulo-Recife: Oficina Digital e Vento
Nordeste
[5] Antes disso, entre os anos 40
e 90, era meio que “natural” que os cineclubes se organizassem de forma
estatutária e se registrassem nos cartórios. E note-se que ainda não havia a
instituição do CNPJ nem propriamente políticas públicas para o cineclubismo.
Essa questão organizativa e jurídica, internacionalmente, já estava posta
claramente mesmo antes do reconhecimento de cineclubes (como geralmente se
entende hoje), na famosa Lei 1901, daquele ano, na França, que estabeleceu as
associações civis sem fins lucrativos e previa seu registro jurídico,
reconhecendo, no entanto, explicitamente, a possibilidade (e não a legalidade,
claro) das entidades organizadas de maneira mais informal. Creio que essa lei
influenciou as legislações da maioria das democracias liberais do mundo.
[6] Acessível em https://observacine.wordpress.com/campanha-mundial-pelos-direitos-do-publico/direitos-do-publico/
[7] Um comunicado da Federação
Paulista de Cineclubes, de março de 1983, recentemente disponibilizado, é um
bom exemplo do que era a prática corrente no movimento cineclubista brasileiro.
Acessível em https://drive.google.com/file/d/1xEZq2yRnfhyK6BzGlCWjJr2pzAG2yf1f/view
[8] A lei 5.536, de 21 de
novembro de 1968, havia sido criada para regular “a censura de obras teatrais e
cinematográficas”. Apesar da data sombria – próxima da edição do AI-5, na
ditadura – sua origem reoercutia outro contexto, anterior, de conquistas
relativas dos meios culturais. Daí que criava várias exceções à Censura – que
era uma instituição naturalizada mesmo antes da ditadura – beneficiando, em
especial, os cineclubes e cinematecas. É a lei que melhor definiu cineclubes e
sobre qual se basearam, ainda que de forma indireta, todas as demais
disposições legais sobre cineclubes (Resolução 64, do Concine, de 1981 e a
Intrução Normativa 63, da Ancine, de 2007). Dizia a lei, sem seu Art. 5º. - A
obra cinematográfica poderá ser exibida em versão integral, apenas com censura
classificatória de idade, nas cinematecas e nos cineclubes, de finalidades
culturais.
Parágrafo único. As cinematecas e cineclubes referidos neste artigo
deverão constituir-se sob a forma de sociedade civil, nos termos da legislação
em vigor, e aplicar seus recursos, exclusivamente, na manutenção e
desenvolvimento de seus objetivos sendo-lhes vedada a distribuição de lucros,
bonificações ou quaisquer vantagens pecuniárias a dirigentes, mantenedores ou
associados.
[9] Acessível em A
editalização da Cultura – Cultura e Mercado
[10] Não caberia estender aqui a
questão, entretanto, fundamental: as mediações sociais na sociedade contemporânea
são feitas principalmente pelas mídias, que atingem praticamente a totalidade
da população mundial. E essas mídias são, essencialmente, mídias digitais
audiovisuais.
[11] Trecho extraído de A
Política Nacional Aldir Blanc, de agosto de 2022 – íntegra disponível em https://felipemacedocineclubes.blogspot.com/2022/08/politica-nacional-aldir-blanc-nova.html
[12] O texto é de 2022. Sua
vigência foi estendida até o final de 2023.
[13]
Nos anos imediatamente anteriores ao desgoverno atual (Bolsonaro), os recursos
aplicados pelo Estado na produção de cinema eram de pouco menos de 1 bilhão de
reais anuais, numa aproximação superficial. Assim esses quase 3 bilhões
equivalem mais ou menos, e coincidentemente, com os recursos perdidos durante a
(falta de) gestão atual. (dados Folha de São Paulo) – nota do texto original.
[14] Trecho extraído da parte
final, “Conclusões e perspectivas”, de Novíssima Cronologia do Cineclubismo
Brasileiro, disponível em https://felipemacedocineclubes.blogspot.com/2023/09/novissima-cronologia-do-cineclubismo.html
[15] “Pessimismo da inteligência e
otimismo da vontade”. Essa espécie de dístico aparece algumas vezes nos
escritos de Gramsci (Gramsci, Antonio. 1999. Cadernos do Cárcere. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira): “é preciso atrair a atenção violentamente
para o presente assim como ele é, se se quer transformá-lo. Pessimismo da
inteligência e otimismo da vontade”. Ou: “O único entusiasmo
justificável é aquele que acompanha a vontade inteligente, a operosidade
inteligente, a riqueza inventiva em iniciativas concretas que modificam a
realidade existente”. E ainda: “é preciso criar homens sóbrios,
pacientes, que não se desesperem diante dos piores horrores e que não se
exaltem por qualquer tolice. Pessimismo da inteligência e otimismo da vontade.”
(apud Lelio la Porta, verbetes “otimismo”, p. 595-596 e “pessimismo”, p. 621,
em Liguori, Guido e Voza, Pasquale (orgs.). 2017. Dicionário Gramsciano.
São Paulo: Boitempo)
[16] Marx, Karl.1969 (1852). Le 18
Brumaire de Louis Bonaparte. Paris : Éditions Sociales.
[17] Não há que ignorar o Conselho
Nacional de Cineclubes Brasileiros (ver os anos 2019 e seguintes); inclusive o
grupo deverá promover mais uma Jornada, ainda neste ano, e desta vez com apoio
do governo federal. Se não reconheço sua representatividade nacional, nem vejo
consequência nas propostas que tem apresentado, penso, contudo, que é uma
iniciativa que se inscreve dentro da realidade cineclubista brasileira atual.
E, como tal, também pode contribuir significativamente em um Fórum como o
proposto.